O Mergulho… Camaleões
Um mergulho de energia nessa contínua transformação… com o sol entrando peneirado pela floresta dos meus camaleões… ecoando transmutação do ser e da matéria, renovando e renascendo a cada instante… O céu e a terra se conectam através das árvores, na leveza das folhas e na força das suas raízes … como estalactites de uma vida estagnada, pronta para se reciclar… pronta para ser ressignificada.
A natureza me interessa muito mais pelos seus movimentos e transformações do que pela sua forma… É um ponto de alerta, um cordão de manifestações de ideias que está dentro de mim. Levamos uma vida toda para sermos o melhor de nós mesmos, sempre tentando nos modificar, então precisamos de tranquilidade para seguirmos nosso caminho, que às vezes é longo e, por outras, mais curto, mas não devemos nos afogar. Não é o mais inteligente ou rico, mas sim aquele que se adapta e se transforma que será mais completo nessa vida. Uma nova etapa… um discurso ambiental… não… eu me aproprio de materiais aleatórios e, dentro dessa técnica, entro nas minhas obras, com meus camaleões…como parasitas num corpo grudado… meu processo criativo vem com muita força e, ao mesmo tempo, tranquilo, alimentando a alma. A inspiração dos camaleões veio por estarem em constante movimento da cor… tudo em função da sobrevivência.
“O segredo da mudança é focar toda sua energia não na luta contra o velho, mas na construção do novo.”
Sócrates
Que a lei da transformação seja posta em jogo para, assim, termos um mundo melhor e seguirmos… com uma energia que flui como as águas de um rio…
Penso sempre no Lavoisier, químico francês, considerado um dos pais da química moderna, autor da frase: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”
E, nessa transformação, passei anos da minha vida focada… sempre querendo me modificar e me transformar numa versão melhor.
Por isso me interesso em trabalhar com materiais vivos, que estão em constante movimento, com madeiras de poda renovando a vida…madeira de oliveira, freijó, cajá-mirim, abacateiro, jabuticabeira, fênix, urucum, semente de palmeira. Uso objetos reciclados do cotidiano, como máscara cirúrgica, olho de gato (sinalização de trânsito), conduíte elétrico, remédio vencido, microplástico, escova de dente, cotonete, mangueira, brinquedo, catálogo/livro, garrafa de vidro, café, cabo náutico, cobre de sucata de ar-condicionado e luminárias, apara de espelhos, aço e acrílico.
Transformar é preciso…
Eu só peço sabedoria para a natureza, para o universo… e poder ser sempre grata diariamente. Se puder deixar algo dessa minha transformação é que estejamos sempre atentos aos sinais e não tenhamos medo de nos conectarmos com as nossas profundezas. Se o medo aparecer, encare-o de frente! Viver o nosso propósito é verdadeiramente libertador.
O sistema ostenta este relacionamento com a necessidade de sentir… de pertencer o tempo todo…O que você é… O que você tem. Só vale o que você tem, e você tem o que você merece… Isso não é real? Na verdade, não é busca desenfreada pelo dinheiro, não é discurso moralista … que não precisamos dele… Ele corrompe?
É um manifesto de um apelo…uma demanda contemporânea.
É um ponto de alerta, um cordão de manifestação de ideias que está dentro de mim.
Levamos uma vida toda para sermos o melhor de nós mesmos, então devemos otimizar nosso tempo, pois só temos essa chance para vencer!
Interessa-me chamar o público para refletir sobre essa constante transformação que meus camaleões representam, além da ligação entre a terra e o céu… em uma contínua energia de transmutação. Ver o mundo como ele é: o meu mundo e a fusão dos dois transformando o ser!
Quero que façamos parte dessa transformação, e convido todos a mergulhar nessa instalação. Sou muito grata pela água, pelas árvores… E, nessa floresta de “camaleões,” podemos sentir esse poder!
Interesso-me em trabalhar com madeira, por sua versatilidade, e metais rígidos como aço, ferro e cobre é que se transforma nos meus camaleões. Aproprio-me de materiais reciclados que integro às minhas obras. Essas finas colunas com anéis que pinto com cores que me identifico! Interessa-me chamar o público para refletir sobre essa constante transformação que meus camaleões representam… ligação da terra com o céu… em uma contínua energia de transmutação. Ver o mundo como ele é. O meu mundo e a fusão dos dois transformando o ser!
Esse é o DNA do meu trabalho… sempre em busca da transmutação do ser e da matéria!
Esta contínua transformação, que sempre sinto em mim e na terra, faz parte do meu trabalho e do movimento do meu torno girando e se materializando nos meus camaleões roliços, no seu movimento constante e infinito…
A visão dessa transformação… e o que tem de mais profundo dentro do ser!
Quero passar para o mundo, através dos meus camaleões, aquilo que tem de mais reentrante em cada um de nós!
Interessa-me falar sobre a transformação do ser e da matéria, por isso falo dos meus camaleões em constante movimento. A instalação fala disso: uma floresta de camaleões com suas reflexões e a reutilização da matéria! Assim tudo está conectado com o poder da transformação!
Quero que você faça parte dessa transformação e o/a convido a mergulhar nesta instalação. Na tradição africana, o céu e a terra se conectam através das árvores, na leveza das folhas e na força das raízes da árvore. Sou muito grata às árvores! Meu processo é todo focado na transformação do ser e da matéria sempre em constante movimento.
Interessa-me chamar o público para refletir sobre essa constante transformação que meus camaleões representam. A ligação da terra com o cosmos, nessa constante energia de transformação.
Nosso camaleão interno em plena transmutação.
Às vezes, pensamos como é difícil e assustador saber que, aos poucos, estamos morrendo, pois sabemos bem que terminamos no lugar de onde viemos. Somos luz.
Então precisamos de tranquilidade para seguirmos nosso caminho, que às vezes é longo, e, por outras, mais curto. Cada um da sua maneira.
Não devemos nos afogar em águas rasas, e, sim, criarmos força, perseverança, mas com muita serenidade, para percorrermos esta estrada da vida.
Uma nova etapa…um discurso ambiental…não…eu me aproprio de materiais aleatórios, do aço, da madeira, e que já estão no mundo, e, dentro dessa técnica, entro nas minhas obras, com meus camaleões…
A instalação seria um percurso entre os camaleões, como numa floresta (que são esculturas que faço pessoalmente com madeiras torneadas com acrílica sobre madeira, metais, aço, cobre…).
A inspiração dos camaleões veio por estarem em constante movimento da cor…tudo em função da sobrevivência.
Quero que façamos parte dessa transformação, e convido todos a mergulhar nesta instalação.
A biofilia, amor à vida, instinto de preservação, de conservação…juntos com a água…as árvores e, nessa floresta de “camaleões,” podemos sentir este poder. Tudo é uma questão de energia.
Renata Adler
EXPOSIÇÃO
O Mergulho, de Renata Adler
Farol Santander São Paulo
Exposição: de 8 de dezembro de 2023 a 3 de março de 2024
O Mergulho, título da exposição individual de Renata Adler, não é um convite para mergulhar na água, mas uma oportunidade para repensar a consciência. “E se esta fosse não apenas um continente, que parece crescer à medida que o exploramos, mas também a própria imagem do infinito?”, a artista parece estar nos dizendo. Compreender o universo em larga escala, compreender a essência da vida e compreender a nossa própria situação de ser jogado no mundo parecem ser o seu convite para nós. Dessa forma, estaria ela propondo, com a sua grande instalação escultórica imersiva no Farol Santander, uma síntese entre conhecer o mundo e conhecer a si mesmo, a fim de se transformar para melhor?
“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, Lavoisier
A transformação perpétua é um leitmotiv para Renata Adler, que se apropria da famosa citação de Antoine Lavoisier (1743-1794), o grande químico francês considerado o pai da química moderna: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Através dele, a lei da conservação da energia propõe que a energia não pode ser criada nem destruída, só pode ser transformada de uma forma para outra ou transferida de um lugar para outro. Esta é a mensagem central desta instalação imersiva.
Renata arremata seu pensamento citando o grande filósofo grego Sócrates (- 470/469 – 399): “O segredo da mudança é focar toda sua energia não na luta do velho, mas na construção do novo”. Leva você a reflexões positivas profundas, uma filosofia como forma de viver. Toda abordagem filosófica autêntica não inclui, como momento constitutivo, este questionamento alegre, crítico sem aspereza, aplicado às nossas crenças, ao nosso comportamento e aos nossos estilos de vida? Renata pensa nesta transformação perpétua, que é a essência da própria vida, no sentido da melhoria. É uma linda mensagem que ela envia aos visitantes da exposição do Farol Santander.
Uma floresta de camaleões
“…com o sol entrando pela floresta dos meus camaleões…ecoando transmutação do ser e da matéria, renovando e renascendo a cada instante…” RA
Assim que entra na exposição, o visitante fica submerso numa floresta de móbiles que a artista chama de “camaleões”, uma instalação imersiva que, através de um jogo sutil de materiais refletores, reproduzindo um efeito de espelho, faz perder o sentido de proporção e multiplica a obra de arte. São esculturas em madeira torneada, algumas parcialmente pintadas, às quais a artista acrescenta vários elementos heterogéneos. Para ela, o camaleão não é aquele que se esconde adotando a camuflagem, mas, ao contrário, é aquele que sabe se adaptar a cada circunstância e evoluir para melhor se integrar à vida.
Um inventário ao estilo Prévert?
Jacques Prévert (1900-1977) publica Paroles em 1946. Ele deseja se libertar de todas as regras tradicionais para criar uma poesia próxima da linguagem oral e marcada pelo gosto da anáfora e enumeração. Ele oferece, com o seu inventário, uma espécie de poema-lista, característico do movimento surrealista, em busca do surreal, ou seja, de uma realidade superior em que a importância da liberdade, dos sonhos e da linguagem não estruturada são essenciais. É uma sucessão de imagens sem nenhuma relação óbvia entre si. Prévert brinca com a liberdade de expressão que seu inventário lhe oferece. Ele pode colocar imagens surpreendentes e absurdas lado a lado e recuperá-las aleatoriamente. Com Mergulho, Renata Adler não entrega apenas uma lista aleatória e leve. Seu “inventário” de camaleões parece observar de cima a evolução do mundo contemporâneo.
Os materiais que utiliza são portas de entrada para repensar este mundo em perpétua transformação com os seus futuros possíveis e as suas preocupações. Muitos tipos de madeira aparecem na sua obra: a madeira de oliveira (um dos símbolos mais antigos do mundo, inalterável ao longo do tempo e de valor atemporal. O simbolismo da oliveira é paz, fertilidade, sabedoria, imortalidade, prosperidade e sucesso), cajá mirim, abacateiro, jabuticabeira (rica em antioxidantes), fênix (símbolo da ressurreição que espera os defuntos após a pesagem das almas), semente de urucum (fruta vermelha nativa da América Tropical, usada em pinturas corporais, culinária e medicina. Na língua mebêngôkre dos indígenas Kayapós, o urucum designa uma planta sagrada, chamada de pykoré, que carrega o símbolo da abundância), semente de palmeira (símbolo da ressurreição, associada ao paraíso, a Cristo, à ave fênix).
Os camaleões, todos diferentes, são também constituídos de máscara recicladas e pigmentos, olho de gato (sinalização de trânsito), conduíte de elétrica, remédios vencidos, microplásticos, plásticos, escovas de dente, cotonetes, mangueiras, brinquedos, catálogo/livro, garrafas de vidro, cabos náuticos, cobre de sucata de ar-condicionado e luminárias, apara de espelhos, aços e acrílicos…tudo o que se encontra hoje na Ilha de Plástico, o sétimo continente, que a sociedade de consumo está legando às gerações futuras.
Ela não quis intitular todos os seus camaleões, mas, quando o faz, é para nos deixar mensagens, como garrafas no mar confiadas às ondas aleatórias dos nossos pensamentos: Microplástico (em homenagem ao documentário Plastic Ocean), Pandemia, Sol, Lua, Tarja Preta (comprimidos, remédios), A Cura, Renovação da Vida, Reflexo da Alma, Estado líquido…
O passeio nesta floresta de 272 camaleões termina diante de uma instalação de aquários que recebe projeções que são como sopros de vida nesses pedaços isolados de mar.
As transformações da exposição O Mergulho, que Renata Adler propõe aqui, fazem então parte de suas interrogações artísticas e filosóficas: movimento, mudança, integração e sincronização, com todos os riscos e incertezas que este tipo de trabalho produz. O movimento tem um lugar essencial na ontologia aristotélica que a inspira, pois é através do movimento que o filósofo será levado a reconhecer “a diversidade das acepções do ser”. Para os primeiros gregos, o movimento era, por excelência, o fluxo, o indefinido, o ilimitado… um caos insondável onde o melhor sempre pode acontecer.
Marc Pottier
Curador
EXPOSIÇÃO
Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro
Exposição: de 8 de fevereiro a 31 de março de 2019
“Sou muito grata… Somos eternos devedores das nossas árvores; pela água, pela madeira, pelo ar. O nosso poder de transmutação é incrível, como os camaleões na metamorfose da cor, tudo em função da sobrevivência! Nos reflexos, podemos até olhar para o passado, mas temos que focar na luz, no futuro. O passado pode nos guiar, mas não nos definir. Vamos descobrir que a luz não está no fim do túnel, somos luz!
Vejo natureza e amor em todos os elementos das minhas obras. A criatividade me permeia tranquilamente e, com isso, escuto minha voz interna: o que pensamos, criamos; e o que sentimos, atraímos! Respeito o DNA do material; faz parte da performance mudar, como o camaleão, em constante movimento da cor. Não há como saber do amanhã; o nosso presente é uma plena asfixia do aqui e agora: o mergulho para uma nova vida!
Desde sempre pensava em me modificar e, hoje, digo que sim, me transformei. Renasci para o meu melhor, cresci, foquei no que realmente tem valor. O significado nos transforma, nos faz enxergar de uma maneira diferente e isso é revolucionário. Esse é o poder de transformação.”
Renata Adler
Quem entra na Casa de Cultura Laura Alvim é confrontado com os últimos Camaleões da escultora Renata Adler, nesta exposição individual da nova artista carioca. Mas aqui ela não quer realmente falar de um animal acrobata que tem um olho capaz de observar o chão enquanto o outro olha para o alto, uma língua que avança qual uma mola para capturar um inseto e uma proverbial facilidade para mudar de cor. Sua exposição vai mais longe e se intitula “Uma Contínua Transformação”.
Seus “camaleões” são esculturas de finas colunas de madeira torneada que recebem diferentes formas redondas e planas e são pintadas em partes. Por vezes, aparecem elementos metálicos ou pequenos espelhos que vêm contrariar a verticalidade da obra. Elas surgem do chão, caem em chuva do teto ou parecem perfurar os muros, lembrando o ritmo das lanças que podemos observar na obra A Batalha de San Romano, que Paolo Uccello pintou por volta de 1456. Os “camaleões” de Renata compõem, pelas paralelas, perpendiculares e oblíquas que formam em sua apresentação, uma construção de retas cujo ponto de fuga desaparece à vista do espectador, imergindo-o nesta exposição-instalação. O conjunto vibra num ambiente geral branco, das janelas que nos mergulham na energia da praia de Ipanema às salas escuras que incitam o público a se concentrar nas esculturas e no vídeo projetado sobre uma parede de tecidos de bronze.
As transformações que Renata Adler propõe aqui fazem parte de suas interrogações artísticas e filosóficas: movimento, mudança, integração e sincronização, com todos os riscos e incertezas que este tipo de trabalho produz. O movimento tem um lugar essencial na ontologia aristotélica que a inspira, pois é através do movimento que o filósofo será levado a reconhecer “a diversidade das acepções do ser”. Para os primeiros gregos, o movimento era por excelência o fluxo, o indefinido, o ilimitado… um caos insondável.
Observando as obras da artista, não podemos aliás deixar de pensar também nos lingans. Para mergulharmos novamente nos símbolos, e particularmente naqueles ligados à cultura indiana, o lingam, sempre armado e, portanto, potencialmente criador, é frequentemente associado ao yoni (“lugar”), símbolo da deusa Shakti e da energia feminina. Neste caso, sua união representa, à imagem de Shiva, a totalidade do mundo. Assumindo as funções criadoras pelo lingam e a função destruidora tradicional, Shiva representa, assim, o Deus por excelência. Renata esclarece: “Tudo é uma questão de transformação para mim. Nos meus ‘camaleões’, ouso evocar livremente a Anima e o Animus de que fala Carl Gustav Jung em sua obra Eu e o inconsciente. Como artista, como mulher, falo aqui do meu lado masculino e do meu prazer ao me confrontar com um trabalho físico de escultor, ainda que, no resultado final, minha obra, com suas madeiras torneadas e roliças, sublinhadas por anéis pintados com cores, seja francamente feminina.”
Renata Adler nos leva bem longe em seu jogo de transformações, e o mito de Prometeu poderia ser também uma alegoria para este trabalho. De fato, nele figuram as duas dimensões inseparáveis da condição humana: a da conquista e aventura de um homem que traça seu próprio caminho, mas também a do medo ancestral de transgredir o proibido, querendo rivalizar com os deuses. Na verdade, podemos constatar que esta tensão permanente entre uma liberdade sem limites à glória do homem e o apego a uma natureza que fixa suas próprias fronteiras está presente na cultura humanista, donde a dificuldade de reconhecer estes limites… Mas o medo de hoje está, de um lado, no poder científico e tecnológico impressionante, e, de outro, no que se convencionou chamar de “crise do futuro”, isto é, a dificuldade de pensar um mundo cada vez mais incerto, onde a referência à ideologia do progresso contínuo está longe de ser óbvia. As obras de Renata Adler apresentadas na Casa de Cultura Laura Alvim, portanto, convidam o público a pensar um mundo em perpétua transformação.
Marc Pottier
Curador
EXPOSIÇÃO
Duas exposições no Rio de Janeiro
Galeria M do Hotel Santa Teresa
de 17 de agosto a 16 de outubro de 2017
Parque das Ruínas
de 2 a 25 de setembro de 2017
Não é por acaso que no seu trabalho, Renata tenta se apropriar da fórmula do famoso químico e filósofo francês do século XVIII Lavoisier, frequentemente apresentado como o pai da química moderna: “Nada se perde, tudo se transforma”.
Isto porque uma das mais importantes pesquisas de Lavoisier foi determinar a natureza do fenômeno de combustão ou de oxidação rápida. O que interessa à Renata é justamente a energia da reação das matérias. Nas suas esculturas em ferro ou outros materiais existe a provocação do estado da matéria e contribuições às revoluções químicas, por vezes técnicas, experimentais e epistemológicas. Sem hesitar ela costuma utilizar elementos incomuns, como por exemplo, o café, que assim acrescentam uma outra dimensão sensorial. Se na obra “Mundos Entrelaçados” ela optou por não agir nos materiais utilizados, deixando-os se transformar sem nenhuma interferência, já nos “Planetas”, ao contrário, pinta sobre eles delicadas paisagens coloridas que irão evoluir ao longo do tempo. Existe a vontade de falar de “impressões” mesmo que suas obras não sejam impressionistas no sentido da palavra. Isto porque, além deste diálogo entre a matéria e a pintura, ela ama também a luz. Ela está presente nos “Planetas” através de leds discretamente colocados atrás das placas trabalhadas. Inspira-se enormemente numa crítica à obra de Claude Monet que dizia: “Claude pintava o que ele via. Se havia vento, ele colocava vento nos seus quadros”. Ela tenta introduzir o cosmos.
Foi justamente este trabalho sobre as energias das matérias que me chamou a atenção quando, dentro do meu hábito de visitar ateliers, eu descobri o trabalho desta artista que surge agora com uma primeira exposição de seus trabalhos.
Renata flerta com o mundo da arte desde a mais tenra infância. Sempre amou pintar, fotografar, inclusive revelando ela mesma as fotos, mas acabou sendo atraída pela escultura. Desde sempre o sistema solar a fascinou. Esta é a razão pela qual a exposição “O Percurso dos Planetas” fala de uma experiência de vida que não é de hoje. Acho que é interessante observar quando ela enfatiza “minha cabeça parece estar nas estrelas, por outro lado, meus pés estão bem fincados na terra”. A palavra cosmos vem do Latim “cosmos” (mundo) e que por sua vez vem do grego antigo “kósmos” (ordem, ordenado). E por extensão significa ordem do Universo. Os planetas, as galáxias e as estrelas de suas obras, não falam apenas de tudo que existe. Tentam propor na verdade uma filosofia que evoca um Universo como um sistema bem organizado. Numa época na qual as novas gerações estão curvadas com os olhos colados nas telas , ela gostaria de convida-los a erguer a cabeça e olhar para um céu que muitos de nós negligenciamos a existência. Quer oferecer uma viagem que vincula as energias da terra. Do riacho que passava pela casa da sua infância, retirava suas inspirações das margens trabalhadas pela natureza. O pequeno mundo microcósmico do Homem e das matérias vivas que utiliza em suas obras, face a face a este Universo macrocósmico é o que ela tenta propor.
Segundo Renata: “Para mim tudo é uma questão de energia e faço referência constantemente aos “chakras”. Se hoje em dia esta palavra é mais conhecida por significar pontos de convergência de canais energéticos, na verdade ela vem do sânscrito e se refere a objetos em forma de disco, entre os quais o sol. No passado, na Índia, eram discos de metais, entre eles, ouro, cobre ou ferro, materiais que gosto de utilizar. Os principais chakras são associados a cores e quando me questiono, vem logo em primeiro lugar o verde, símbolo do coração que bate, o ar e o mistério. Assim meio que inconscientemente, exponho este cordão umbilical de minha obra que liga a vida do Homem aos mistérios do Cosmos”.
As cores são importantíssimas para ela. Como dizia Kandinsky: “As cores são as teclas, os olhos são os martelos e a alma é o piano com suas cordas”. As formas e as cores não são o resultado de simples associações de ideias arbitrárias, mas sim de uma experiência interior que nas suas pinturas abstratas remetem aos sentidos. Costuma trabalhar sobre formas que foram previamente desenhadas e sobre as quais acrescenta as cores, observando o seu efeito subjetivo. Deixa as formas e as cores interagirem na sua própria alquimia. Não tem a pretensão de dizer que se tratam de observações científicas ou objetivas, mas sim de observações totalmente subjetivas e puramente fenomenológicas.
Como Renata diz, “Tudo é uma questão de transformação”. Nos seus “Camaleões”, ousa evocar livremente a ”Anima e Animus” de que fala Carl Gustav Jung em sua obra “Eu e o Inconsciente”. Como artista, como mulher, fala aqui do seu lado masculino e de seu prazer de confronto com um trabalho físico de escultor, mesmo se no resultado final de sua obra com suas madeiras torneadas e roliças, sublinhadas por anéis de cores pintados, seja francamente feminina.
Mas por trás das obras de Renata, as transformações de que gosta de falar, são essas ligações entre a terra do Homem e o infinito do Universo, onde existem as questões fundamentais que todos nós nos colocamos. Neste vasto processo de desencanto aparente do mundo onde a Humanidade não é nem mais o centro, nem a finalidade, nem mesmo uma espécie privilegiada no topo da evolução, quais são as relações entre a Natureza/Humanidade que podemos esperar? Estamos diante de um Universo absurdo, como proclama o existencialismo de Sartre ou aguardando o final uma crise de mutação cósmica, talvez necessária, que dará nascimento a uma nova relação positiva entre o Universo e a Humanidade? E se a queda de nossas ilusões humanas, tão excessivas, servirem para nos reaproximar da realidade e fundar uma relação enriquecedora com a natureza e a imensidão do Cosmos?
Marc Pottier